Quem não se lembra do medíocre lutador de boxe da Filadélfia, que trabalhava como capanga de um agiota e obteve a grande oportunidade de lutar contra o campeão mundial dos pesos-pesados. Esse era o plot principal de Rocky, Um Lutador, Rocky (1976) escrito e estrelado por Sylvester Stallone. O filme foi sucesso de bilheteria e levou três Oscars: o de Melhor Filme, Diretor e Edição e imortalizou a música Gonna Fly Now, produzida por Bill Conti e que alcançou o primeiro lugar da revista Billboard.
Difícil também é se esquecer do filme O Campeão, The Champ (1979), dirigido por Franco Zeffirelli, remake do filme de mesmo nome dirigido por King Vidor, no inicio da década de 30. O remake de Zeffirelli trazia no elenco Jon Voight, Faye Dunaway e Ricky Schroder. O longa conta a história de Billy Flynn (Jon Voight), um ex-lutador de boxe que trabalha como adestrador de cavalos. Ele ganha o suficiente para manter a si próprio e seu filho T.J. (Rick Schroder), o qual ganhou a custódia de sua ex-esposa Annie (Faye Dunaway) sete anos atrás. Visando ter um futuro melhor para o garoto, Billy aceita a oferta de retornar aos ringues.
O filme tornou-se conhecido pela famosa seqüência final na qual T.J presencia a morte do pai, logo após o seu último combate. Schroder em uma inspirada atuação, poucas vezes presenciada nas telas, leva às lágrimas qualquer mortal ao vê-lo se despendido do pai.
Quando o assunto são filmes de boxe é praticamente impossível não citar o clássico dos clássicos Touro Indomável, Raging Bull (1980) dirigido por Martin Scorcese e estrelado por Robert De Niro no papel de Jake LaMotta. O longa valeu o Oscar de Melhor Ator para De Niro por sua impecável caracterização do pugilista peso-médio, filho de imigrantes italianos, que com a mesma rapidez que alcançou o sucesso na carreira, destruiu sua vida particular em razão do seu comportamento violento, possessivo e auto-destrutivo.
Para os amantes de filmes de esporte, mas especificamente os adoradores da nobre arte, como é conhecido o boxe, estreiou no último final de semana no Reino Unido e República da Irlanda, Nocaute, Southpaw (2015) que narra a história de Billy “The Great” Hope (Jake Gyllenhaal), um lutador que no auge da carreira e da vida pessoal é surpreendido por um terrível golpe do destino, quando perde sua esposa Maureen Hope, vivida por Rachel McAdams. A tragédia muda o rumo da história e, após ter a filha levada para os cuidados do Serviço Social, Billy, então, é forçado a lutar para reconquistar o amor e o respeito de sua filha na sua incansável busca por redenção.
O longa é dirigido por Antoine Fuqua conhecido por rodar thrillers de ação entre eles filmes de guerra, conspiração e crime. Fuqua ganhou notoriedade internacional ao dirigir o pungente retrato de um policial veterano e corrupto vivido por Denzel Washington no brilhante Dia de Treinamento, Training Day (2011). O filme rendeu a Washington o merecido Oscar de Melhor Ator.
A cada novo trabalho de Fuqua espera-se como resultado algo próximo do realizado anteriormente em Dia de Treinamento. Infelizmente em decorrência de suas escolhas isso não acontece.
Desde então, tornou-se predominante a opção do cineasta por filmes que em sua maioria abordem temáticas semelhantes, dentre as quais a repetitiva alternância de histórias em que envolvam agentes secretos à serviço do governo norte-americano como, por exemplo, na versão Duro de Matar em Invasão a Casa Branca, Olympus Has Fallen (2013) e O Protetor, The Equalizer (2014) , além de histórias protagonizadas por soldados do exército norte-americano em missão de resgate como em Lágrimas do Sol, Tears of the Sun (2003) e Atirador, Shooter (2007).
Se por um lado em Nocaute, Fuqua já demonstre algum, ainda que sem muita efetividade, lampejo da retomada da sua melhor forma desde Dia de Treinamento, por outro lado o novo longa-metragem do diretor norte-americano torna-se refém da pouca originalidade do roteiro, que nada mais é do que uma mistura óbvia, com pequenas variantes, entre dois filmes, Rocky, Um Lutador e O Campeão, citados acima.
As seqüências de luta relembram, e muito, o filme estrelado por Stallone com a exacerbada super valorização dos golpes, que remetem nitidamente mais às lutas de artes márcias mistas do que o próprio boxe. Os 15 rounds de duração da luta, hoje reduzidos para 12, permanecem os mesmos dos tempos de Rocky Balboa, e claro que não poderia faltar o sofrimento do lutador em busca de superação frente aos infortúnios da vida, que no caso das histórias de lutadores de boxe, funciona como uma metáfora da árdua luta do pugilista também fora dos ringues.
Ainda que, guardadas as diferenças e proporções, a relação entre o personagem Gyllenhaal e seu drama para reconquistar a guarda da filha, tem a mesma funcionalidade como fio condutor da trama quando se analisa o relacionamento entre o personagem de Jon Voight e seu filho T.J vivido por Rick Schroder em O Campeão. Isso porque, no longa de Zeffireli, o personagem de Voight havia ganhado a guarda do filho ao contrário do que ocorre com o personagem principal em Nocaute.
Já Jake Gyllenhaal vem provando a cada trabalho estar cada vez mais apto para encarar diferentes personagens, até mesmo os que requerem uma significativa transformação física.
Gyllenhaal ganhou fama internacional pelo seu trabalho em O Segredo de Brokeback Mountain, Brokeback Mountain (1997) no qual interpretou um vaqueiro que se apaixona por um colega do mesmo sexo no ano de 1963. O filme retrata o complexo relacionamento do casal no período de dezoito anos. O filme venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, além dos prêmios Bafta, Globo de Ouro e o maior número de indicações para o Oscar daquele ano, inclusive a de Melhor Ator Coadjuvante para Gyllenhaal.
À partir de então, o ator norte-americano alternou fiascos como Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo, Prince of Persia: The Sands of Time (2010) baseado no jogo eletrônico de mesmo nome e filmes que obtiveram relativo sucesso junto ao público e aclamado pelos críticos como em Zodíaco, Zodiac (2007) e O Abutre, Nightcrawler (2014).
Gyllenhaal, embora apoiado por um seleto grupo de atores competentes, entre eles Rachel McAdams e o premiado Forest Whitaker, é a pequena Oona Laurence, que interpreta Leila Hope, a filha do personagem de Gyllenhaal, que dá o tom dramático do filme. Ambos, apesar de inseridos em um roteiro com características de novelão mexicano, se sobressaem por suas atuações pontuadas e equilibradas, mantendo mesmo que por poucas vezes, a produção distante do excesso dos filmes do gênero.
É fato que Nocaute agradará aos fãs de filmes de luta e àqueles que gostem de produções dramáticas. É fato que Fuqua continuará contaminado pelo virtuosismo exagerado impregnado nos efeitos especiais e de edição na condução de suas produções, haja vista, as seqüências de luta em Nocaute. E é fato também que Fuqua, mesmo com indícios de retomar caminhos diferentes em seu novo trabalho, afastando-se dos filmes de que abordem quase sempre um mesmo tema, ainda permaneça aquém de seu mais elogiado trabalho.
No Brasil, Nocaute tem estréia prevista para o mês de Setembro.
(Pedro Giaquinto)