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Com excelente atuação dos protoganistas, Burton leva às telas a segunda cinebiografia de sua carreira

BigEyes

Giovanni Bastianini, Alceo Dossena, Tom Keating, Wolfgang Beltracchi, Edgar Mrugalla e Elmyr de Hory, o que estes nomes oriundos de diferentes nacionalidades, educados em distintas culturas têm em comum? Todos eles foram talentosos pintores, mas sobretudo, exímios falsários de obras de arte.

O último no nome desta lista de ilustres charlatões do mundo das artes, Elmyr de Hory, foi o protagonista do documentário dirigido por Orson Welles, For Fake – Verdades e Mentiras, For Fake (1974), em que Welles, à partir da história de De Hory, redefine aquilo que se pode ou não chamar a magia do cinema, ou até mesmo a ilusão da legitimidade de toda a arte.

O recente trabalho do aclamado diretor norte-americano Tim Burton, Grandes Olhos, Big Eyes (2014), que estreiou no final do ano passado na Irlanda e Reino Unido narra a história real da pintora Margaret Keane (Amy Adams), uma das artistas mais comercialmente rentáveis dos anos 1950 com os seus retratos de crianças com olhos grandes e assustadores. Keane teve que lutar contra o próprio marido no tribunal, o também pintor e falsificador de quadros, Walter Keane (Christoph Waltz) que afirmava ser o verdadeiro autor das obras de Margaret.

No entranto, esta não é a primera cinebiografia que Burton leva às telas. Anteriormente o cineasta havia dirigido Ed Wood (1994), sobre o personagem-título, considerado o pior diretor de todos os tempos.

O novo longa-metragen do diretor de Os Fantasmas se Divertem, Beetle Juice (1988), Batman, Batman (1988), Batman: O Retorno, Batman Returns (1992), Alice no País das Maravilhas, Alice in Wonderland (2010) entre outros, destoa da maioria de seus filmes. Desta vez o cineasta afastou-se do universo onírico que flerta demasiadamente com o mundo gótico para dar lugar à um filme menos carregado nas cores sombrias e na atmosfera densa e soturna como sempre fora peculiar em toda sua obra.

Por ser tratar de personagens do mundo real, Burton optou por transcrever para às telas a história de uma maneira lacônica, limitando-se aos fatos como eles sucederam. É fácil notar que a escolha de Burton pela história de Margaret Keane traz certa semelhança, guardadas evidentemente as devidas proporções, entre o mundo do cineasta e o da pintora.

Apesar da aguçada veia gótica e sombria impregnada na obra de Burton, o cineasta sempre esteve muito ligado com o universo infantil, o qual Keane, ao longo de muitas décadas, continua pintando. Entre as animações do diretor norte-americano destacam-se A Noiva Cadáver, Corpse Bride (2005) e Frankenweenie (2012) além de O Estranho Mundo de Jack, The Nightmare Before Christmas (1993) sendo este apenas como produtor. Todavia, é claro, suas animações estão repletas de personagens sombrios, envoltos com o lúgubre e o macabro. E não muito longe disso estão os rostos de crianças pintadas por Keane, que também transitam por esse o universo melancólico contido na obra do cineasta.

O acerto na escolha dos protagonistas é outro ponto positivo no filme de Burton. A atriz norte-americana Amy Adams interpreta a pintora Margaret Keane. Adams com sua voz frágil e o olhar meigo e distante dá ao seu personagem tons serenos e os contornos precisos da caricatura de uma mulher submissa aos comandos de um marido autoritário e sem escrúpulos, conseguindo transpor para a tela de forma fidedigna a subserviência da maioria das mulheres que viveram nas décadas de 50, 60. Por sua atuação, Adams levou há duas semanas o Globo de Ouro de Melhor Atriz na categoria Filme Musical ou Comédia. O mesmo ocorreu no ano passado quando a atriz levou o Globo de Ouro na mesma categoria por sua interpretação em Trapaça, American Hustle (2013) no qual viveu uma novata golpista. No mesmo ano também foi indicada para o Oscar pelo mesmo filme, mas não levou a estatueta.

Já o papel do falsário Walter Keane, ficou à cargo do sempre excelente e um dos melhores atores da atualidade, o austríaco Christoph Waltz. O ator mostra-se mais uma vez irrepreensível na composição do seu personagem. Com Keane, Waltz transita facilmente entre o dramático e cômico ou por muitas vezes ambos ao mesmo tempo. É notória sua desenvoltura e habilidade na reprodução do trágico-cômico, que evidentemente tenha sido a vida do real Walter Keane. Sem exageros e dono de uma interpretação singular que se altera gradativamente entre o grotesco e o sublime, Waltz está mais uma vez perfeito. Vencedor de dois Oscars, dois Baftas e dois Globos de Ouro como Melhor Ator Coadjuvante por Bastardos Inglórios, Inglourious Basterds (2009) e Django Livre, Django Unchained (2012), além do prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes em 2009 pelo mesmo Bastardos Inglórios, é uma pena seu nome não ter sido lembrado pelas grandes premiações do cinema no ano passado.

Para o ano que vem Burton já encabeça dois novos projetos. As sequências de Os Fantasmas se Divertem e Alice no País das Maravilhas, este últiimo como produtor.

Por ora, Grandes Olhos, mesmo sem o apelo comercial de outras obras do cineasta, é um filme que merece ser visto, tanto pela grande atuação do casal de protagonistas quanto pelo o heroíco e árduo trajeto na vida da talentosa pintora, que até hoje, aos 87 anos, continua pintando diariamente e suas obras podem ser visitadas em museus de diversas cidades entre elas Tóquio, Madri e Cidade do México.

O filme têm estréia prevista no Brasil para o final do mês.

(Pedro Giaquinto)